segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A eterna questão... a sequela

Será Isto Arte? por El Bosco

http://tapornumporco.blogspot.com/2007/03/ser-isto-arte-por-el-bosco.html

Só com o título já cacei duas ou três bestas apocalípticas, que vêm já por aí a baixo, de foice em punho e aferradas à goela do escriba: cá está o gajo outra vez!, cá está o gajo outra vez!

O assunto já andou por aqui e regressará certamente muitas mais vezes. A velha discussão sobre o que é arte ou não é. Uma discussão conceptualista que atravessará para sempre o porco e os tempos. A polémica já aqui reinou a propósito das “latitas de merda” do Piero Manzoni (primeira foto e vide posta anterior aqui), do roubo da massa do povo pela escuridão do “Branca de Neve” do João César Monteiro (segunda foto) e ao que me lembro do Urinol de Duchamp (terceira foto). Será isto Arte??

Nelson Goodman, no seu livro “Modos de Fazer Mundo” (Edições Asa, 1995(Esgotadíssimo), no original “Ways Of Worldmaking”-1975-1977), tem um capítulo delicioso e fundamental que aborda o assunto de forma quase definitiva.

Segundo o professor de Harvard, a pergunta “O que é arte?”, à qual e ao longo dos tempos inúmeros autores se têm dedicado a tentar responder em ensaios estéticos, esconde uma outra, com a qual se confunde muitas vezes e que é a sua pergunta corolário: “O que é boa arte?”

Goodman não responde a isto, nem vai por aí. Segundo ele a questão é errada. A resposta não reside na definição de “arte” ou de “boa arte”, onde reinará sempre o perigo e a idiotia, mas encontra-se num momento conceptual imediatamente anterior, e que Goodman traduz numa outra pergunta, essa sim fulcral: “Quando É Arte?”

E aí, Goodman responde: “Há arte quando lhe estão associados símbolos.” O que é símbolo e deixa de ser é outro capítulo extenso e denso que não importa trazer aqui. Basicamente é isto: um calhau do jardim, passa a ser arte quando o artista o leva para uma galeria e lhe atribui outra função ao retirá-lo do jardim. Atribui-lhe um significado. O calhau, como o Urinol de Duchamp ou Merda de Manzoni, deixam de ser meros objectos e passam a ser arte, quando adquirem uma simbolização, uma função de arte.

A simbolização, que pode ir e vir, colar-se ou desaparecer de um objecto, é inerente a toda a arte e não há arte sem um significado simbólico associado. Se lá chegamos ou não, se gostamos ou não e sobretudo, se estamos dispostos a pagar por aquilo ou não, essas são outras questões e conceitos.

Mesmo um colosso como A Vista de Delft de Vermeer, quadro que toda a gente reconhece como grande arte (todos não, há um irredutível gaulês aqui no Porco, que acha isso mais do que discutível), pois mesmo o Vermeer, pode deixar de ser arte ao ser-lhe retirada a simbologia. Se a Vista de Delft passar a ser usado para tapar uma janela (alteração de função e símbolo) ele deixa de funcionar com arte para funcionar como vedante.

O anterior símbolo e função de arte passaram a vedante. Deus nos livre. Já as latitas de merda do Manzoni e o urinol do Duchamp deviam deixar a galeria e passar à casa de banho e ao alegre convívio com a mãe sanitas e o pai autoclismo.


|

Sim também acho que a subjectividade é mesmo a pedra de toque que transforma as "coisas" em "arte". Significado sim, é definidor; significados é qualificador.

E que tal tentarmos nós uma definição de arte? Não me parece assim tão difícil.

- É um acto de vontade;

- É um exercício de significação;

- Pretende produzir reacções estéticas;

Quanto ao que é boa ou má arte, isso daria pano para mangas... Significados... alguém quer tentar?


Gravatar Artur:
iá tá esclarecido o teu conceito de reacção estética. Isso torna a apreciação da arte subjectiva. Mas há algum mal nisso? Por mim, antes pelo contrário. É a subjectividade que faz da arte uma coisa aliciante. Até vou mais longe que tu: creio que mais que a reacção estética é a capacidade da arte mexer com o universo pessoal de cada um que faz a sua qualidade. Um clássico é clássico porque tem essa capacidade a uma escala incomensurável. Tou~, pois, de acordo contigo. ão vejo a arte como alguns caçadores de borboletas mortas que a encaram como se de ciência se tratasse.
Doomsday


Gravatar Bosco:
Não, em vale a pena reler o goodman. Tu comentas o meu comment como se me tivesses apnhado numa armadilha bem urdida. Ora não é nada disso. estas questões ã são nenhum jogo, nem nenhuma prova cega onde a melhor nota é aferida pelo que escreveram as sumidades. O goodman é uma sumidade, certo. Mas isto não é na base do «quem disser o que e diz é que tá certo». Não sei nem vou ver se o exemplo que dás do vermeer é extraído dele. O que defendo é que, repito, o processo de simbolização de uma obra não se esgota na simples alteração da função da obra. No caso do calhau sim, aí é a mudança de contexto que faz que a pedra ganhe potência simbólica, mas no caso de um quadro do vermeer é diferente. Eu entendo que aí, o simbolismo da obra não reside na mera função que ela ocupa. Aliás, tens até o caso concreto dos painéis de S. Vicente que, segundo julgo saber - há aqui quem saiba disso mais que eu e fará o favor de me corrigir dse não estou certo - que chegaram, p+recisamente a fazer de tapume. Não foi por isso que não se lhes reconheceu o potencial simbólico devido.
Quanto ao exemplo do calhau também não vou reler o goodman por causa disso, mas tenho quase a certeza que não é de lá. Conheço a referência e é de um texto da Carmo d`Orey que cita uma intervenção do Alberto carneiro. Não me consta que o goodman conheça a obra do carneiro, o que é que achas?
Doomsday


Gravatar "lo del progreso en el arte son tonterías archisabidas"
Cortázar, Rayuela
Bronzino


Gravatar É arte quando o gajo que pega no calhau e o põe na galeria tem os amigos certos nos sítios certos.


Gravatar E mais uma coisa (razão pela qual a reacção estética de que falei não é definidora de arte): tal reacção só se verifica se houver uma chave para a descodificação do símbolo que se propõe ser arte.

Então toda a arte é feita para um determinado público. Dito por outras palavras: quem é que determina o estatuto de "símbolo"? É um valor absoluto? Em meu ver essa atribuição é um acto cultural e não estético.

Explica-te melhor my Goodman...


Gravatar Toda a arte visa (ou deve aspirar a) provocar uma reacção estética o que não quer dizer que o consiga e, nesse sentido, não pode ser condição da existência ou não de arte. É claro?

Por reacção estética entendo um sentimento de agrado ou mesmo repulsa ou ainda algo não necessariamente situado num destes extremos. Por outras palavras: emocionar. Indiferença não.

Reafirmo a importância do "porque se faz arte" na definição de arte. Exemplo: quando o Warhol fez uma porrada de caixas "brillo" ao ver que a coisa se vendia que nem pão quente estava a pensar no símbolo ou no carcanhol?


Gravatar Eis a primeira das bestas. Doomsday! Be afraid, be very afraid!

E convém reler bem o post anterior que está linkado, bem como reler o Goodman.

O Goodman fala de facto na alteração de função e retirada da simbologia. Este post agora retocado está feito há muito tempo e li o livro emprestado, mas julgo que o exemplo do "vedante" é directo e ao vivo de lá. e o do calhau ou similar julgo que também. como só tens o livro, relê.

no mais há uma questão onde o Goodman não se mete e que aliás está no post, que é da atribuição da simbologia de arte. a discussão do acto de vontade e fundador do artista. ou seja do gosto. dele e também de quem aprecia. goodman acha isso irrelevante para a qeustão essêncial e é. mas para o vulgar consumidor não é. há sempre a questão do gosto.

há sempre a questão do reconhecimento ou seja a questão do julgamento estéctico. Goodman diz que é inutil e um caminho perigoso. mas todos os nós o fazemos, com mais ou menos força. até porque ao comprar ou consumir arte é precisamente esse julgamento de escolha pessoal que fazemos.

no plano artistico, conceptual e valorativo as latas do manzoni são arte. eu e o resto do pessoal - se se soubesse- comprava-as como investimento, jamais como gosto pessoal para meter na sala.

e mais uma vez não estou a discutir se é arte. é. mas eu não as metia na sala. assim como não vi o branca de neve, etc.

a única coisa que há no post anterior do manzoni que justifique a soberba do Doomsday é a frase final que é obviamente provocatória. como provocatório é o título e o ínicio deste post e este próprio groink. para fazer investir as bestas do apocalipse.

bosco


Gravatar Não tenho presente agora grande texto de Goodman de que falas - mas é só levantar-me e ir ver ali à estante da estéticva, ó bosco, por isso cuidadinho! - mas creio que não se deduz da tese do goodman que se metermos um vermeer a servir de vedante aquilo deixa de ser arte. A capacidade simbólica do quadro não se perdeu por isso. o alcance simbólico não é apenas a alteração da função ou do contexto da «coisa», embora em certos casos (como no exemplo que citas do calhau) isso chegue...

Quanto ao nosso amigo Artur, questão prévia para começarmos o diálogo: podes definir melhor o que etendes por «reacção estética»? Sem isso não sei se concordo ou discordo do que afirmas...

E respondendo à questão que dá título ao post, creio que opróprio post já responde: sim, tudo isso é arte. Note-se ainda que o autor do post, apesar de cascar nas bestas apocalípticas, mostra capacidade de regeneração. Para se perceber o que quero dizer basta ler-se o seupost anterior sobre o mesmo tema e o actual. Os progressos são evidentes. abençoadas bestas apocalípticas que tão bem lhe fazem.
Doomsday


Gravatar toda a obra de arte provoca uma "reacção estética". é neste sentido que falas nisto Artur?

ou antes pretendes que a reacção estética é definidora da obra de arte? ou mesmo da existência de arte?

tu não te desgraces, rapaz...


el bosco


Gravatar Bom tema e boa posta! Eu - e isto é uma opinião - entendo que o símbolo é mera condição necessária à obra de arte. Mas não basta. Não a vejo separada da reacção estética que lhe deve ser associada, por exemplo.

Acrescentaria outra pergunta: "porque se faz arte?" Esta abarca quer as questões simbólicas quer as estéticas. É a pergunta mais séria (e mais embaraçosa) que se pode fazer a um artista, tirando Andy Warhol que responderia "não sei"...

Mandem brasa!

For previous posts kindly check our archive:

julho 2007
agosto 2007
setembro 2007
outubro 2007
novembro 2007
dezembro 2007
janeiro 2008
fevereiro 2008
março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
setembro 2009
outubro 2009
novembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
abril 2010
maio 2010
junho 2010
agosto 2010
setembro 2010
outubro 2010
novembro 2010
janeiro 2011
fevereiro 2011
março 2011
abril 2011
junho 2011
julho 2011
outubro 2011
novembro 2011
janeiro 2012
fevereiro 2012
março 2012
abril 2012
maio 2012
novembro 2012
fevereiro 2013
junho 2013
setembro 2013
outubro 2013
novembro 2013
fevereiro 2014
outubro 2016